FISIOLOGIA DOS CABELOS
artigo publicado na revista Cosmetics & Toiletries Brasil - Mai/Jun 2013 Vol. 25 Nº 3 (pag 34 a 45)
O cabelo cresce partindo de cavidades, chamadas folículos, que se estendem da derme para a epiderme e para a superfície da pele.
As subestruturas do cabelo são formadas por processos de diferenciação celular no sentido radial, de fora para dentro da fibra, que duram até o fio chegar à epiderme, ou seja, cessam quando o cabelo não sofre mais alterações biológicas depois de ter saído do couro cabeludo.
O cabelo é composto basicamente de queratina, uma proteína caracterizada pelo alto conteúdo de enxofre derivado da cistina. Essa proteína forma uma rede de ligações cruzadas através de pontes dissulfídicas, o que confere ao cabelo certa resistência mecânica e química. Sendo assim, muitas estruturas morfológicas do cabelo têm características físicas e químicas variadas por causa do conteúdo de pontes de enxofre.
Quimicamente, cerca de 80%, em massa, do cabelo consiste em queratina. Os outros 20% são componentes minoritários, denominados não queratinosos. A Tabela 1 apresenta a análise dos aminoácidos presentes no cabelo.
Muitas investigações têm sido descritas em relação à análise dos aminoácidos em fibras de cabelo humano. As análises têm várias limitações, pois fornecem somente os valores médios para o conteúdo de aminoácidos das substâncias proteicas presente nas fibras. Um único resultado dessas análises é expresso para toda a fibra, transversal e axial, calculado com base na média das fibras. Um segundo fator complicador dessas análises é a decomposição hidrolítica de certos aminoácidos. O meio mais utilizado para a hidrólise de fibras de queratina é de 5,6 N de ácido clorídrico. Em estudos que envolvem a hidrólise ácida de queratina, a decomposição parcial tem sido relatada por cistina, tirosina, treonina, fenilalanina, arginina, com a destruição quase completa de triptofano.
Considerando essas limitações, a discussão a seguir descreve vários fatores importantes que contribuem para o entendimento dos resultados da análise do cabelo humano, relatados na literatura.
Não há diferenças significativas entre a composição de aminoácidos presentes na fibra capilar das diferentes etnias. O fator preponderante que determina pequenas diferenças entre essas composições está relacionado à concentração de certos aminoácidos na microestrutura da fibra capilar. Nos cabelos orientais é encontrado maior teor
de cistina nos microfi lamentos. Já nos cabelos de pessoas afrodescendentes
é encontrado maior teor de cistina na matriz cortical. Esse fenômeno corrobora com os relacionados às propriedades mecânicas características dessas etnias, ou seja, os cabelos orientais são mais resistentes à tra
ção mecânica quando comparados aos cabelos de afrodescendentes.
A fibra capilar é formada com a queratinização de células epiteliais que estão distribuídas em quatro unidades estruturais principais: a cutícula, o córtex, o cimento intercelular (localizado entre as células) e a medula.
A Figura 1 representa, esquematicamente, a estrutura morfológica do cabelo.
Cutícula
As células cuticulares compõem cerca de 10%, em massa, da fibra capilar, formando uma barreira protetora dos fios contra processos agressivos químicos e físicos, e são responsáveis pelas propriedades superficiais dos fios, como brilho, coeficiente de atrito entre as fibras e proteção do córtex. A camada cuticular é composta de 6 a 10 cutículas sobrepostas, cobrindo o perímetro da fibra. Essa estrutura subdivide-se em uma série de camadas, com cerca de 0,2 μm a 0,4 μm de espessura, sobrepostas e orientadas no sentido das pontas da haste capilar. A Figura 2 mostra um diagrama da estrutura da cutícula.
Cada célula cuticular é envolta por uma membrana de baixa espessura (cerca de 25 Å), denominada epicutícula. Os principais componentes da célula cuticular são a exocutícula e a endocutícula. Entre as células corticais e entre estas e as células cuticulares situa-se o complexo da membrana celular, que é uma substância cimentante, com propriedades adesivas, que, apesar de ser facilmente atacada por enzimas, é resistente a álcalis e a agentes redutores. Cada célula cuticular é separada das adjacentes pelo complexo da membrana celular (CMC), o qual compõe cerca de 2%, em massa, da fibra. Micrografias eletrônicas mostram que esse complexo consiste de duas camadas lipídicas: as camadas ß, que envolvem uma camada proteica, e a camada δ, formada durante o processo de queratinização. O CMC contém somente 2% de cistina, sendo composto em sua maior parte (camada δ) por proteína rica em aminoácidos polares e lisina, o que lhe confere também um caráter hidrofílico.
A cutícula tem caráter amorfo. Seus subcomponentes têm composição e reatividades distintas. A “camada α” e a exocutícula são as subunidades mais queratinizadas e possuem caráter hidrofóbico, apresentando maior teor de cistina (30% e 15%, respectivamente).
A endocutícula é feita de material não querationoso oriundo da compressão ou do achatamento do núcleo e de organelas citoplasmáticas. Isso faz que ela seja rica em proteínas, enzimas, vitaminas, íons, ácidos nucleicos, açúcares, carboidratos e ácidos graxos, os quais, em sua maioria, são solúveis em água. Essa composição proporciona, à endocutícula, caráter hidrofílico e menor resistência a ataques químicos, se esta for comparada às outras estruturas do cabelo, pois tem cerca de 3% de cistina.
A epicutícula é formada, basicamente, de ácido 18-metil-eicosanoico ligado a uma membrana proteolipídica que também é rica em cistina (cerca de 12%) de alto caráter hidrofóbico.
Como resultado dessas diferenças de composição entre a endocutícula e a epicutícula, é esperado que as subunidades da cutícula apresentem reatividades diferentes a tratamentos cosméticos e mesmo à água e ao tensoativo. Uma vez que a camada cuticular é responsável pelo egresso e ingresso de substâncias do interior da fibra, dependendo do material que for colocado em contato com a fibra haverá duas vias de difusão principais para o interior da fibra, que estão apresentadas na Figura 3.
A via transcelular prevê a penetração de substâncias no interior do cabelo através da cutícula, e a via intercelular, a difusão dessas substâncias entre as cutículas, isto é, essa difusão é realizada pelo CMC. A via intercelular é a mais aceita por processos cosméticos em geral, pois a difusão se dá partindo de componentes pobres em ligações cruzadas dissulfídicas derivadas da cistina para os componentes mais ricos. Estudos mostram que a difusão para o interior da fi bra é mais rápida quando o cabelo está danifi cado, ou seja, quando há menos pontes dissulfídicas na estrutura do cabelo.
Córtex
O córtex é o constituinte majoritário em massa da fibra capilar (compõe cerca de 88% desta) e é responsável pelas propriedades mecânicas da fibra. É formado, basicamente, por queratina cristalina inserida em uma matriz de queratina amorfa. Cada célula cortical é formada por macrofibrilas (de aproximadamente 200 nm de diâmetro) alinhadas no sentido longitudinal do fio, que, por sua vez, são compostas por microfibrilas (cerca de 0,8 nm de diâmetro) unidas pela matriz intercelular e formadas por queratina amorfa com um grande número de reticulações por pontes de enxofre. Cada microfibrila (ou filamento intermediário) é formada por cerca de 7 protofibrilas (estrutura constituída pelas cadeias de α-queratina em duplas hélices alinhadas paralelamente ao comprimento do fio), como está representado na Figura 2.
Geralmente, as células corticais do cabelo têm entre 1 μm e 6 μm de espessura e aproximadamente 100 μm de comprimento. Elas contêm os grânulos de melanina dispersos nas células (pequenas partículas ovais ou esféricas de 0,2 μm a 0,8 μm de diâmetro), responsáveis pela coloração do cabelo, e os remanescentes nucleares (cavidades alongadas) derivadas da extinção do núcleo celular no processo de fibrilação da célula epitelial, que dá origem às estruturas capilares).
As macrofibrilas têm cerca de 15 μm de comprimento e constituem a maior porção das células corticais. Entre as macrofibrilas está a matriz intermacrofibrilar, e entre as microfibrilas, a matriz intramacrofibrilar. A matriz, portanto, funciona como um material adesivo que mantém as estruturas fibrilares unidas por meio da formação de pontes de enxofre, constituinte de resíduos cisteicos devido ao seu alto conteúdo de queratina.
As células corticais são ricas em cisteína, compactas, pouco penetráveis por líquidos em geral e menos reativas quimicamente. Entretanto, são menos resistentes à ação de agentes oxidantes.
Os filamentos intermediários são estruturas cristalinas pobres em cistina (6%) e ricas em leucina, ácido glutâmico e aminoácidos geralmente encontrados em proteínas de conformação α-hélice. A matriz é amorfa e rica em cistina (21%) e mantém os filamentos unidos por pontes de dissulfeto derivadas de resíduos cisteicos, como a meia-cistina.
Medula
A medula é o componente do cabelo menos estudado, principalmente porque acredita-se que sua influência nas propriedades do cabelo é negligenciável. Está localizada no centro a fibra e, de acordo com a literatura, pode estar ausente, ou ser fragmentada ou contínua quando está presente na fibra. A frequência e as dimensões da medula podem variar em um mesmo indivíduo. Quimicamente, a medula tem alto conteúdo de lipídeos, se comparada ao restante da fibra, e é pobre em cistina. Porém é rica em citrulina, de modo que as pontes de enxofre são substituídas por ligações peptídicas que mantêm a estrutura da medula coesa. Por causa dessa reticulação, a
medula é insolúvel em solventes para proteínas mesmo em condições vigorosas, como as utilizadas para solubilizar as queratinas.
As células medulares são resultado do processo de diferenciação, que é diferente do córtex. Quando começam a diferenciar-se, as células produzem tricoialina, que é depositada no citoplasma na forma de grânulos. Quando sofrem maturação e desidratação, essas células encolhem prendendo o ar em seu interior. A parede das células maduras, então, é formada de vários grânulos fundidos. Quanto à morfologia da medula, há uma contradição na literatura. Alguns autores dizem que ela é formada por esses vacúolos preenchidos por ar, resultantes do processo de diferenciação celular. Outros afirmam que a medula é composta por uma estrutura esponjosa cujo caráter fibrilar é uma característica de seres humanos e de algumas espécies de primatas. Há ainda uma camada de CMC que se localiza na interface entre a medula e o córtex.
Na literatura existem muitos dados sobre a análise química da medula e muitas contradições no que se refere à sua estrutura. As estruturas estão descritas em várias referências, porém não há imagens boas, ou seja, que permitam fazer comparações para que se possa chegar a uma conclusão. Não existem explicações para o fato de a medula distribuir-se de forma tão aleatória nos diferentes couros cabeludos e para o de esta não existir em alguns fios.
Sobre os efeitos da medula nas propriedades do cabelo, já foi sugerido que os seus poros poderiam afetar a cor do cabelo, mas não afetariam as suas propriedades mecânicas. No entanto, não há estudos sistemáticos sobre a influência da medula nas propriedades do cabelo.
Variedade Étnica
Apesar de existir um número considerável de pesquisas sobre o cabelo humano, poucos dados sobre a influência da origem racial ou étnica nas características do cabelo estão disponíveis.
O termo “raça” se aplica a subpopulações ou grupos de pessoas que apresentam várias características biológicas similares. No passado, as raças se desenvolviam e persistiam porque viajar longas distâncias era uma ação limitada. Dessa forma, pessoas similares interagiam e procriavam. As diferenças raciais ou geográficas que existem hoje, nos tipos de pele e de cabelo, podem ser remanescentes das primeiras adaptações dos seres humanos à temperatura e a outras influências ambientais.
Para classificar os tipos de cabelo, os grupos raciais podem ser divididos em três: caucasiano, oriental e negroide.
Na década de 1970, 56% da população mundial era composta pela raça caucasiana, 34 % pela raça oriental/mongol e 10% pela raça negra. As variações na curvatura da fibra e na forma da secção transversal dos cabelos dessas raças são determinadas geneticamente. Como consequência disso, informações raciais das características capilares são úteis. Estabeleceu-se que o cabelo negroide tem alto grau de irregularidade no diâmetro ao longo da fibra, quando comparado aos demais tipos étnicos. Sabe-se também que a secção transversal de sua fibra é mais oval do que a dos cabelos caucasiano e asiático, que são mais cilíndricos. O cabelo negroide apresenta menor resistência ao estiramento e quebra mais facilmente do que o cabelo caucasiano. O cabelo negroide necessita do uso de maior força para ser penteado e apresenta menor conteúdo de água em relação ao cabelo caucasiano.
Porém, no aspecto químico, em termos de proteínas e aminoácidos, os cabelos caucasiano, negroide e asiático são similares, já que nenhuma diferença significativa relativa à composição química entre esses tipos de cabelo foi estabelecida definitivamente. O mais completo resumo de dados da literatura de análise de aminoácido de fibra capilar das raças caucasiana, negroide e mongoloide indicou coincidência entre as quantidades de todos os aminoácidos do cabelo do escalpo para esses três maiores grupos raciais (Tabela 1).
Por outro lado, estudo recente no qual foi utilizada microespectroscopia de infravermelho com radiação Sincroton, realizada com amostras de cabelo caucasiano e negroide, mostrou que o primeiro normalmente contém mais lipídio localizado dentro da medula e menos na extensão da cutícula. Um resultado diferente foi observado para o cabelo negroide, no qual essa maior concentração medular de lipídios não foi detectada.
Lipídios
O lipídio extraído do cabelo humano é similar em composição àquele encontrado no escalpo. A extração do cabelo com liposolventes remove entre 1% e 9% da massa total do cabelo. O extrato dos lipídios internos do cabelo humano, bem como de outros tecidos queratínicos, como lã e estrato córneo de pele, é rico em colesterol, ácidos graxos livres e ceramidas, com pequenas quantidades de sulfato de colesterila.
Foram identificadas grandes quantidades deácidos graxos com cadeias carbônicas contendo entre 16 e 18 átomos de carbono, saturadas e monoinsaturadas, não ramificadas em estratos de lipídios interno e externo, e o colesterol foi estimado em 0,45% do total de lipídio interno e em 1,5% do total de lipídio. Uma parte do lipídio interno é livre e a outra parte é estrutural do CMC. Este é laminar em estrutura e composto por camadas proteicas e lipídicas. No entanto, esse lipídio estrutural não é do tipo fosfolipídio.
Sabe-se que a superfície externa das células cuticulares tem ácidos graxos ligados, como o ácido esteárico, o ácido palmítico, o ácido oleico e o ácido 18-metil-eicosanoico (18-MEA), e essa composição superÞ cial é a razão pela qual o cabelo é hidrofóbico e isolante elétrico.
Os lipídios tem um papel muito importante em algumas propriedades do cabelo. Estudos mostram que a remoção de ácidos graxos ligados à superfície cuticular causa mudanças na molhabilidade do cabelo, principalmente na cutícula. Foi verificado também que as Þ bras de queratina que tiveram lipídios internos extraídos tornaram-se mais hidrofílicas e absorveram maior quantidade de água. A difusão de lipídios através da fibra capilar foi sugerida para justificar diferenças entre os conteúdos de lipídios extraídos em um sistema contínuo e em um sistema intermitente.
Processos de Oxidação no Cabelo
O cabelo está sujeito a várias reações de oxidação. A oxidação química, normalmente realizada utilizando-se peróxido de hidrogênio como agente oxidante, visa descolorir o cabelo por meio da destruição dos grânulos de melanina, com consequente clareamento dos fios.
Outros processos de oxidação envolvem as reações do cloro no cabelo e as reações com ácidos peracéticos. A oxidação fotoquímica ocorre por meio da exposição do cabelo à radiação de fontes artificiais ou naturais, como o Sol. Os produtos primários causados pela exposição à radiação solar são geralmente espécies reativas ou radicais livres, que se formam muito rápido, mas causam efeitos que podem durar horas, dias ou mesmo anos.
O mecanismo de oxidação química do cabelo com agentes descolorantes tem sido mais estudado do que o foto-oxidativo. Tanto a oxidação química quanto a foto-oxidação agridem também as proteínas do cabelo, além dos grânulos de melanina. Como as queratinas são formadas por tecido morto, não ocorre regeneração nas fibras deterioradas, de modo que os efeitos causados na estrutura são acumulativos e se associam a outros fatores que contribuem e aceleram as modificações estruturais das fibras. Nos tratamentos foto-oxidativos, na maioria dos casos, os aminoácidos da cutícula são mais degradados que os aminoácidos do córtex porque a intensidade de radiação recebida pelas cutículas é maior do que no córtex. Vários danos ao cabelo têm sido atribuídos à decomposição de aminoácidos, entre eles, alterações de cor e redução da resistência à tensão.
As pontes de dissulfeto (S-S), presentes no cabelo, são provenientes do aminoácido cistina. Tanto a radiação UVB quanto a UVA oxidam o enxofre no cabelo. É comumente aceito que o mecanismo de foto-oxidação da cistina é a quebra de ligações C-S, que levam à formação do ácido S-sulfônico, que a seguir é degradado pela luz, com formação de ácido cisteico. Na foto-oxidação das ligações dissulfídicas ocorre a formação de 1 mol de ácido cisteico por mol de ligações dissulfídicas quebradas, e os aminoácidos triptofano, cistina e metionina são os mais degradados pela radiação UV. As radiações UVA e visível não causam danos diretos ao cabelo porque não são absorvidas pelas proteínas, e os principais aminoácidos que absorvem na faixa de radiação UVB são a tirosina (???? max = 275 nm) e o triptofano (???? max = 280 nm). Pinheiro et al. (referência 10) analisou, por meio de fluorescência, a decomposição do triptofano, observando que este se decompõe quando é exposto à radiação UV entre 295 nm e 315 nm (radiação UVB). A exposição do cabelo à radiação UV artificial ou solar produziu perda significativa de triptofano, ocorrendo outras alterações químicas na estrutura da queratina, como oxidação de ligações dissulfídicas com formação de ácido cisteico. O efeito da umidade relativa na fotodegradação do cabelo também foi investigado por Pinheiro et al.(referência 11). Segundo os autores, a fotodegradação ocorre em todas as umidades relativas, sendo maior quando o cabelo é exposto a uma umidade relativa muito alta ou muito baixa. As propriedades mecânicas da fibra são menos afetadas quando ela é exposta a 30% de umidade relativa. Os autores também observaram que, quando os cabelos são expostos à radiação UV durante seis semanas (1.008 horas), eles podem ficar descoloridos e que essa descoloração depende tanto da cor do cabelo quanto da faixa de comprimento de onda do espectro solar. Os cabelos loiros são clareados pelas radiações UVA e visível, enquanto apenas a visível tem um pequeno efeito clareador no cabelo preto. Essas observações são atribuídas a uma maior fotoestabilidade da eumelanina em relação à feomelanina, sugerindo que a primeira tem melhor efeito fotoprotetor no cabelo que a segunda. Também foi observado que a mudança na composição dos aminoácidos na cutícula é a mesma tanto para o cabelo loiro como para o preto, devido à ausência de pigmentos de melanina nessa região. Outro estudo mostrou que as radiações UVA e visível são as mais danosas à cor de cabelos normais e oxidados, sendo que a exposição dos cabelos durante duas semanas a essas radiações resulta em intenso amarelecimento de sua cor. Foram aplicadas várias técnicas de microscopia para monitorar os efeitos e a extensão dos danos causados pela radiação UV na microestrutura e na natureza física das fibras. Foi verificado que, após a exposição
do cabelo à radiação UV por 700 horas, os grânulos de melanina permaneceram morfologicamente intactos, mas foram desintegrados após 15 minutos de tratamento com solução de peróxido de hidrogênio 6%. Já no cabelo não foto-oxidado foram necessárias 4 horas de tratamento com a mesma solução para que ocorresse a completa solubilização dos grânulos de melanina. Os autores mencionam que, como os grânulos de melanina estão intactos, o cabelo não muda de cor após esse tempo de irradiação.
O Efeito pH
O termo pH é usado para determinar o grau de acidez ou de alcalinidade de uma substância. A camada hidrolipídica que protege o cabelo tem pH levemente ácido, um valor compreendido entre 4 (cabelos oxidados) e 6 (cabelos naturais) na escala de pH.
O pH natural para a queratina do cabelo faz que as cutículas estejam sedimentadas, planas e alinhadas. Os extremos de pH, fortemente ácido menor que 2,0 ou acima de 8,5 muito alcalino, influenciam a decementação das cutículas, ocorrendo a abertura das cutículas e a exposição do córtex. A faixa de pH entre 2,0–8,0 mantém o mínimo estado de intumescimento da fibra capilar, ou seja, o estado normal desta com as cutículas cementadas. As propriedades mecânicas da fibra capilar são sensibilizadas em função dos extremos de pH. Esse fato está associado às quebras das pontes de hidrogênio e a interações iônicas; já as ligações dissulfídicas são rompidas em pH alcalino.
Produtos Cosméticos
Um cabelo saudável parece brilhoso, leve e fácil de pentear e arrumar. Se o cabelo não for submetido a nenhum tratamento, tenderá a permanecer em um estado condicionado, isto é a cutícula ficará intacta e uma camada de sebo fornecerá proteção ao cabelo frente à fricção mecânica. No entanto, o acúmulo de sebo dá ao cabelo aparência indesejável e, durante o processo de limpeza, o cabelo úmido fica vulnerável à abrasão mecânica que, juntamente com determinados tratamentos, danifica-o.
Shampoos são misturas de tensoativos, óleos, polímeros e conservantes. Têm a função primária de limpar o cabelo por meio da remoção da quantidade excessiva de sebo e de resíduos de tratamentos cosméticos, além de poeira e fuligem. Dependendo de sua composição, podem limpar ou condicionar o cabelo em vários níveis por meio da interação com a fibra, da adsorção e da dessorção de tensoativos, polímeros e complexos, e da deposição de óleos. A concentração de ânions e cátions na superfície do cabelo e a espessura da camada depositada alteram propriedades do cabelo, como o potencial zeta (z) do cabelo e a velocidade de fluxo de água pela fibra. O cabelo virgem tem o potencial zeta em torno de z = -15 mV.
Há algumas décadas, acreditava-se que as formulações de limpeza não causassem danos internos ao cabelo. Entretanto, pesquisas recentes têm mostrado que os lipídios internos podem ser removidos pelos tensoativos durante repetidas lavagens. Outras investigações indicaram, ainda, que sucessivas lavagens com shampoo extraem pequenas quantidades de proteína da endocutícula, deixando-a com “vacâncias” em seu interior.
A função dos condicionadores é ajudar a contrabalançar os efeitos negativos ocasionados pelo processo de limpeza, reduzindo a força friccional ao pentear e eliminando a carga estática. Entre os agentes condicionantes estão substâncias: lubrificantes, penetrantes no cabelo e antiestáticas. Os tensoativos catiônicos são muito utilizados como agentes condicionantes, pois neutralizam as cargas negativas superficiais do cabelo, ocasionando a redução da repulsão coulômbica entre as cutículas. Já os agentes condicionantes lipídicos, como ácidos graxos, ésteres de ácidos graxos e óleos, fixam-se no cabelo por meio das forças de van der Waals, assim como os silicones e outros compostos não iônicos. Os agentes lipídicos são amplamente utilizados em formulações cosméticas, mas sua utilização é, em geral, fundamentada em dados empíricos, pois existe muito pouca informação científica direcionando o seu uso em produtos cosméticos.
Interação: Cabelo e Outras Substâncias
A interação do cabelo com a queratina é influenciada pelo caráter iônico do soluto, do tamanho da molécula, do ponto isoelétrico do cabelo, do pH e da força iônica do meio. Se a absorção for observada, será necessário considerar a taxa de difusão. Para agentes condicionantes foi sugerido que a adsorção é mais crítica que a absorção porque as espécies são relativamente grandes e as temperaturas normalmente utilizadas são baixas.
“Sorção” é um termo genérico usado para descrever a penetração e a dispersão de moléculas penetrantes em uma matriz polimérica, para formar uma mistura. O processo de sorção pode ser descrito fenomenologicamente como a distribuição da molécula penetrante entre duas ou mais fases, incluindo: adsorção, absorção, incorporação, formação de camada de solvatação e outros modos de mistura. A quantidade de sorção
de um ingrediente pelo cabelo a partir de uma solução aquosa é governada por interações de atração ou ligação à queratina, à hidrofilicidade (interação com a fase aquosa) e à difusibilidade do ingrediente no cabelo.
O transporte de substâncias para o interior da fibra capilar envolve, portanto, três etapas distintas. Primeiro, as moléculas são transportadas para a interface fibra/solução por meio da combinação dos processos de difusão e convecção (se houver). Em seguida, as moléculas são adsorvidas na superfície da fibra para, então, finalmente, difundirem-se para o interior da fibra. A última etapa é afetada principalmente pelos seguintes fatores: difusão da molécula dentro da fibra, sua afinidade, isto é, a diferença de potencial químico da molécula quando ela se encontra em solução e no cabelo, e o número de sítios reativos disponíveis no cabelo.
Teoricamente, existem duas rotas possíveis para a difusão da molécula em fibras capilares, conforme está ilustrado na Figura 3. São elas:
- Difusão transcelular - envolve rotas de difusão através das células cuticulares, atravessando regiões de alta e baixa reticulação, por meio de pontes de dissulfeto.
- Difusão intercelular - envolve de difusão entre as células cuticulares, através do CMC e de outras proteínas de baixo teor de cistina (pontes de dissulfeto).
Atualmente, o mecanismo mais aceito de difusão de moléculas no cabelo é a difusão intercelular, ou seja, realizada entre as células cuticulares e através da camada no CMC e da endocutícula, quando se trata de cabelos naturais.
Pinheiro et al. (referência 20) mostrou que os cabelos atuais que são submetidos a sucessivos tratamentos térmicos e químicos não apresentam cutículas na sua fração mediana até as pontas, indicando assim um novo perfil de difusão das moléculas no cabelo, preferencialmente a difusão transcelular decorrente da ausência da barreira cuticular.
A função biológica principal do cabelo é de proteção, mas ele tem grande importância do ponto de vista estético-social por estar associado à juventude e à beleza. Por isso, muitos produtos estão surgindo no mercado de cosméticos para proteger, tratar, amaciar, dar brilho, evitar a queda e com muitas outras funções. Atualmente, os produtos cosméticos para cabelos de pessoas afrodescendentes (cabelos negroide ou “afro”) têm ganhado espaço no mercado brasileiro. Esses produtos são, principalmente, shampoos, condicionadores, modeladores, alisantes, cacheadores e descolorantes. Os potenciais consumidores desses produtos representam uma parcela significativa da população brasileira (mais de 40%) e buscam cosméticos diferenciados que atendam às necessidades específicas do seu tipo de cabelo. No entanto, não existem ainda, na literatura, padrões de distinção definidos entre diferentes tipos étnicos de cabelo, no aspecto químico, que justifiquem a alta especificidade desses produtos.
Muitas das formulações comerciais para cabelos negroides contêm elevado teor de lipídios, quando comparadas às formulações para outros tipos de cabelo (caucasiano ou mongoloide). Portanto, é necessário investigar a interação entre lipídios e cabelos negroide e entre lipídios e cabelos caucasianos, não só para auxiliar na caracterização da distinção química entre esses dois tipos de cabelo, como também para verificar a validade desses tipos de produto.
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